domingo, 27 de setembro de 2009

A Masturbação Feminina, experiência auto-erótica para a libertação da opressão sexual

*por Margarita Aguinaga


Às vezes, a masturbação feminina é um tema do qual nos custa falar, é um tabu, um medo, a ser dito em voz baixa ou com um pseudônimo, uma quase agressão sexual para o ouvido, na qual se prima pela negação das mulheres e a sua incapacidade para reconhecer seu desejo sexual, que as diferencia dos objetos. Muitas vezes, esse tema está ausente no próprio diálogo feminista e na esquerda.

Sem deixar de considerar que a masturbação feminina poderá assumir as formas que se queira, a pergunta é: ela é importante no processo de assimilação da individualidade feminina e da luta por uma nova prática em que as mulheres possam experimentar- se e apropriar-se de seu corpo?


A masturbação feminina está invisível para a maioria das mulheres, assim como a sua capacidade de decidir, de falar, de trabalhar.Tem sido considerada de segunda ordem. Muitas vezes, a expectativa sexual de primeira ordem é o encontro sexual com um homem, porque a experiência sexual com um homem se transformou numa finalidade quase “absoluta”. A masturbação feminina, para algumas mulheres, existe somente para desafogar a solidão ou a falta de um homem, como se fosse o preenchimento do intervalo entre duas relações espaçadas.


Para a mulher, ter um espaço na cama, com sua solidão corporal e sexual, transforma-se em todo um processo: movimentos sexuais, tocar-se para romper a barreira do medo de fazê-lo e dizê-lo, o reconhecimento do imaginário, das sensações, dualidades, significados, barreiras difíceis de ultrapassar. Por exemplo, a posição difícil de mudar ante si mesma, as múltiplas opressões que se manifestam nas imagens que constroem sobre seu corpo. Finalmente, são linguagens extremamente importantes para dar significado e interpretar, para reconhecer a divisão sexual naquilo que é o centro da opressão sexual manifestada na construção psíquica, econômica, política, cultural, sexual, de seus desejos e seu corpo.

Não é só um montão de carícias no corpo, é um processo de luta por uma intimidade para a apropiação do corpo individual de cada mulher. Ainda que nos incomode escutar, a masturbação é o rincão onde começa a experiência auto-erótica e, para as mulheres, é um passo essencial em busca do seu amor próprio. É que a experiência “auto-erótica do máximo prazer feminino” por meio da masturbação, talvez possa permitir que as mulheres ocupem o território esvaziado de seu corpo, destinado ao domínio sexual dos outros. E, ao converter o desejo numa opção e não numa necessidade, poderia articular-se um processo de diferenciação emancipadora de sua sexualidade. Tornar-se outra, mas como indivíduo e com sua própria capacidade, auto-reconhecida em seu próprio poder sexual e em sua própria capacidade de decidir, além de reconhecer a beleza e a profundidade do corpo dos outros/outras. Nesse momento, poderia produzir-se o passo do desejo intenso ao amor profundo. É que esta experiência auto-erótica vai além de um impulso biológico do desejo; é, antes de tudo, humanizadora e criadora.


Há passos muito curtinhos entre o desejo profundo e o amor intenso. Mas as mulheres, às vezes, nem sequer chegam a saber o que significa. As mulheres foram castradas em suas exigências sexuais básicas. A cultura dominante instalou, nos corpos das mulheres, um cinto de castidade social que as oprime. E quando querem desabotoá-lo, os outros vociferam que é necessário parar essas possíveis irracionalidades femininas, advertem que as mulheres ficarão loucas e descontroladas. Então, para acalmá-las, é preciso devolvê-las ao poder masculino e submetê-las à sua autoridade.


Cabe construir uma ponte entre o processo de sensibilização sexual feminina como componente da sexualidade e a ação sensitiva e afetiva sexualizada. Cosntruir a masturbação feminina como o epicentro do prazer do corpo, de si mesma e de uma coletividade. Seria o espaço de autoexploração do desejo sexual individual, manifestado no diálogo da mulher com sua própria corporalidade, em prol de olhar a si mesma, sem esconder-se de si.


O feminismo tem dito que a autonomia das mulheres carece de um processo de individualização e transformação total da relação entre as e os outros. Cabe pensar que a masturbação feminina faz parte dessa exigência, dessa necessidade. A erótica feminina é um espaço de poder que permite levar adiante a diferença entre o masculino e o feminino, é a mulher encarada a partir de suas próprias práticas sexuais íntimas, questionadas socialmente e encarceradas no “privado femenino”, do qual só se atrevem a falar mal, ou do qual se ocupam os doutores para intervir desde a biologia, a medicina ou a psicologia. Ou, ainda, a igreja para decidir sobre a sexualidade de toda uma coletividade.


Tirada do baú das avós, não há nada mais belo que a masturbação feminina. Reconhecer a pele, as sensações, o próprio prazer, é uma fonte de vida e de amor próprio, é um ato de criação política. Se tratamos de liberdade, uma das liberdades mais importantes para as mulheres é o sentir a si mesma sem preconceitos, o contato com seus desejos, superando as barreiras patriarcais instaladas na consciência que lhe nega a satisfação sexual. A satisfação sexual feminina é a base da erótica feminista.


Como quase todas as demais, a masturbação feminina começa com o reconhecimento da experiência sexual construída com os e as outras. Poderíamos dizer que, na maioria das vezes, o masculino exerce uma importante construção da ideia da masturbação, porque o masculino é considerado o motivador sexual e gérmen da sexualidade feminina. A sexualidade masculina, numa sociedade patriarcal, cumpre o papel de “origem“ do prazer sexual até converter-se no concentrador e reprodutor das sexualidades femininas e masculinas como forma de poder. Si não fosse assim, o poder sexual exercido a partir de uma concepção falocêntrica, androcêntrica e heterossexual não seria tão profunda e difícil de superar.


Entretanto, a masturbação feminina está longe de ser um recurso complementar ao prazer feminino ou de busca de maior prazer feminino. Ela poderia ser considerada uma estratégia, uma nova maneira de relançar a sexualidade feminina, de aproximar-se do prazer por “decisão própria”, de ser a devolução do controle, do reencontro, do retorno à criatividade, à capacidade sexual e ao poder feminino a partir do corpo das próprias mulheres.


Desejar-se, querer-se, estimar-se, reconhecer-se en cada fantasia feminina, em cada partezinha da pele é simplesmente sentir-se por opção, é um passo à auto-identificação que pode ajudar a superar os olhares impositivos, o domínio de outros sobre o corpo das mulheres. Pode permitir avançar um passo: do “sou uma necessidade para outros” ou “necessito de outros” para “opto por mim misma”. A apropiação da opção por si mesma, dita em palavras, é importante. Significa um enfrentamento às repressões sexuais instaladas no inconsciente, na cultura e em todos os aspectos da vida humana.


Masturbar-se, decomposta a palavra e sem ir a nenhum dicionário, poderia significar mais-turbar- se, confundir-se mais. Logo, desse ponto de vista, poderia ter esse significado, já que a volta à masturbação feminina pode ser um caminho com dificuldades e muitas vezes doloroso. A desconstrução da ideia religiosa do “corpo sujo” e do “corpo puro” geraria, por si só, duras confrontações e dificuldades para o reencontro pessoal e social, pois o corpo feminino estaria destinado à santidade. A decisão de fazer com que “meu corpo faça o que quero”, gera uma contraposição entre o costume de “ fazer sempre o que os outros querem para satisfazê-los” e o de “ faço de mim um corpo para o prazer e a satisfação sexual por ação consciente de minha liberdade”. É toda uma batalha na qual nem sempre o resultado é a satisfação própria, a decisão própria, a luta pela liberdade plena.


Estes são aportes e carecem de muito mais elementos a serem construídos, pouco a pouco, a começar pelos próprios ouvidos. Desejar, tanto quanto amar a si mesma, é um passo vital rumo à desconstrução da terrível fragmentação do corpo feminino. Desejar e amar a outros e outras, em busca de uma satisfação não opressiva, é parte de um feminismo profundamente humano, que desencadeia, retorna ao erótico como prática sexual profundamente crítica e extremadamente amorosa. Desde as palavras justas que dizem sem medo, aqueles temas “esquecidos”, “tabus”, “perigosos”, “de segunda ordem” ou “não tão políticos para o estado, a família, as relações afetivas” como são os da descriminalização do aborto, as orientações sexuais, etc.


Sem dúvida, para assumir a liberdade sexual integral que é o feminismo, há que começar a falar e transformar aquilo que está oculto entre tantos mitos e proibições sexuais, “porque do nu se fala em público, com amor e respeito acerca do que é o mais íntimo e proibido do corpo: os desejos sexuais femininos”.


*Feminista equatoriana e membro do CADTM no Equador

Tradução: Tárzia Medeiros

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