sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Exercícios de Imaginação

Valéria Calvi*

Estava agora há pouco lendo um blog que falava sobre aborto. No blog, a autora dava 5 motivos pelos quais ela é a favor da legalização do aborto, muito bem argumentados, por sinal. Li alguns comentários sobre o texto dela e as respostas que ela deu com muito mais cordialidade do que eu daria. Não que eu fosse ser estúpida nem nada, mas é que costumo responder às coisas de forma bastante impessoal.

Enfim, é de se imaginar que a maioria dos comentários (confesso que não li todos, mas falo dos que eu li) contrários ao aborto giravam em torno de coisas como assassinato de vidas, quem inventa agora aguenta, valores éticos universais que prezam pela vida (a do feto, não a da mulher, óbvio), eugenia (numa clara confusão sobre o que vem a ser eugenia) e, como também não poderia deixar de aparecer, exemplos cotidianos do tipo "não é por que minha irmã me incomoda que eu vou matá-la". No meio disso tudo, dois argumentos, dados por homens, me chamaram a atenção: (i) a mulher deveria ter pensado melhor "antes de descabelar o palhaço" (não sei por que não escrever transar, mas tudo bem), sendo que o autor desta frase coloca no final do seu comentário que ele, enquanto homem, também teria de abrir mão de muita coisa (e ele diz que tem medo disso), pois "existe o teste de DNA"; (ii) aborto é crime e a mulher que o faz deve ir para a cadeia sim, mas claro, depois de receber os atendimentos médicos no hospital, primeiro o médico e depois, a cadeia.

Não pretendo desenvolver aqui uma argumentação a favor da descriminalização e legalização do aborto (quero fazer isso em outro momento), nem fazer críticas agudas àqueles que são contrários ao aborto, quero apenas fazer um exercício de imaginação com relação aos dois pontos levantados acima:

(i) O que o dono do "palhaço" estava pensando nos momentos antes de ter seu o "palhaço descabelado"? Até onde eu sei, no comentário dele estão pressupostas duas pessoas, de sexos diferentes, no ato sexual que deu origem a uma gravidez. Como nenhuma exceção foi apresentada, algo do tipo "e uma das pessoas não sabia o que estava fazendo", devo supor que eram duas pessoas com capacidade do uso da razão, portanto AMBAS responsáveis pelo ato sexual. Então, em sendo assim, por que apenas uma delas, a mulher, deveria ter pensado antes? Àquelas/es que pensaram na necessidade de a mulher usar pílula anticoncepcional, antecipo o seguinte:

- Porto Alegre é a capital com o maior número de casos de AIDS do país. Só essa informação já é necessária e suficiente para não se adotar apenas a pílula como método contraceptivo. Camisinha (masculina e feminina, sendo que esta última é absurdamente cara e não muito fácil de encontrar; fora que a masculina nem sempre se encontra nos postos de saúde) é fundamental e DEVE se responsabilidade das DUAS pessoas. Portanto, queira ou não, o pênis do palhaço (ops!) deveria estar coberto, ou então a mulher deveria estar usando camisinha feminina, isso se ela tiver dinheiro e achar onde comprar, sendo que a camisinha é reponsabilidade dos dois. Não deve ser muito legal, usando só a pílula, evitar uma gravidez, mas ganhar uma DST...

- pílula e camisinha podem falhar

- nem toda mulher quer/pode (inclusive por questões financeiras, já falei dos problemas em postos de saúde) tomar pílula. Eu não sei se as pessoas têm noção da bomba de hormônio que é a pílula e os efeitos que ela tem sobre o nosso corpo, alguns deles bastante perigosos (trombose venosa). Não pensem que é só tomar um comprimidinho e deu. Existem consequências que o nosso corpo sofre. Aqui proponho o primeiro exercício de imaginação: que os homens também passem a tomar anticoncepcionais. Sei que alguns estão sendo testados e eu realmente gostaria que fossem acessíveis e os homens usassem, pois assim dividiríamos as responsabilidades quanto à prevenção da gravidez. Por que só a nós cabe o uso de hormônios na prevençãode gravidez?

Quanto às responsabilidades que o homem teria, pois "existe teste de DNA", qual o tamanho da responsabilidade de nós mulheres comparada com a dos homens em relação a uma/um possível filh@? O que caberia ao dono do comentário? Pagar pensão? Sim, porque se desde o início foi a mulher a responsável pela falta de cérebro antes de transar, imaginem o tamanho de responsabilidades que o dono do comentário distribuiria entre ele e a mulher que engravidou dele...

(ii) Convido o dono deste comentário a ir para o hospital junto com uma mulher que chega lá com complicações por causa de aborto para ver como ela vai ser atendida. As coisas às vezes não são como a gente pensa que são e, neste caso, o atendimento dado a uma mulher que fez aborto é MUITAS VEZES pífio quando não, inexistente. A criminalização da mulher que aborta começa no hospital, não na cadeia. Sugiro um último exercício de imaginação (esse bem de imaginação, porque sei que esbarra nas normas e questões jurídicas): Se é para mandar para a cadeia a mulher que fez o aborto, que se mande também o homem responsável pelos 50% da gravidez. Como já falei anteriormente, como são DUAS as pessoas responsáveis no ato sexual e, sendo assim, na gravidez, então são DUAS as pessoas responsáveis pelo aborto. Se é para penalizar por "ter atentado contra a vida" que se penalize a totalidade do que levou a isso. Sim, é no corpo da mulher que se faz o aborto, mas dentro dela existiam 50% DNA dela e 50% DNA do homem, portanto continuam havendo DOIS RESPONSÁVEIS pela "vida" (uso aspas, porque não se tem consenso quanto ao momento em que a vida começa) que se tirou. Fora o fato de que não se mostrou nenuma preocupação com o lado emocional da mulher, nenhuma menção a assistência psicológica nem nada do tipo; é tirá-la do hospital direto pra cadeia, simples assim.

Obviamente, não gostaria que os homens também fossem para a cadeia, mas porque não gostaria, em primeiro lugar, que nós mulheres fôssemos para a cadeia por ter feito um aborto. Esses exercícios de imaginação e apontamentos são apenas pra mostrar como é mais fácil pautar a discussão sobre o aborto quando se parte do pressuposto, que é concreto e compartilhado por homens e mulheres, de que a responsabilidade sobre a gravidez recai primeiro sobre a mulher e só depois sobre o homem e isso fica claro nos comentários que as pessoas escrevem. Que tal se começássemos a compartilhar desde o primeiro método contraceptivo as responsabilidades sobre uma gravidez indesejada? Sim, a sociedade ainda atribui a nós o papel de eternas mães, queiramos ou não.

Educação Sexual para Escolher

Contracepção para Prevenir


Aborto Legal para Não Morrer


Pela Vida das Mulheres



*participante do Coletivo de Mulheres UFRGS e estudante de Filosofia na UFRGS

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá
vc poderia dizer o blog em que leu o texto?
obrigada